sexta-feira, dezembro 29, 2017

Top 25 2017

1)      Twin Peaks, de David Lynch
2)      Silêncio, de Martin Scorsese
3)      Z, a cidade perdida, de James Gray
4)      De canção em canção, de Terence Mallick
5)      Martírio, de Vincent Carelli, Ernesto de Carvalho e Tatiana Almeida
6)      Na praia à noite sozinha, de Hong Sang-soo
7)      No intenso agora, de João Moreira Salles
8)      Em ritmo de fuga, de Edgar Wright
9)      A criada, de Chan-Wook Park
10)   Melhores amigos, de Ira Sachs
11)   Personal shopper, de Olivier Assayas
12)   Filha de ninguém, de Hong Sang-soo
13)   A qualquer custo, de David Mackenzie
14)   Eu, Daniel Blake, de Ken Loach
15)   Jackie, de Pablo Larrain
16)   O filho de Joseph, de Eugène Green
17)   Corpo elétrico, de Marcelo Caetano
18)   Na vertical, de Alain Guiraudie
19)   Manchester à beira-mar, de Kenneth Lonergan
20)   Mãe!, de Darren Aronofsky
21)   O ornitólogo, de João Pedro Rodrigues
22)   A morte de Luís XIV, de Albert Serra
23)   Paterson, de Jim Jarmusch
24)   Corra!, de Jordan Peele
25)   Logan, de James Mangold

quinta-feira, dezembro 28, 2017

Lucky, de John Carroll Lynch ***1/2

Um filme que lide com temas tabus como a morte e a velhice navega em águas perigosas. Dependendo da forma com que aborde tais assuntos, poderá cair no sentimentalismo fácil e no medíocre formato “obra edificante de lição de vida”. “Lucky” (2017) envereda por essa temática sem cair em tais armadilhas. Boa parte dos méritos está em algumas sábias escolhas criativas do diretor John Carroll Lynch. Sua narrativa é seca e objetiva, com econômicos toques oníricos, mas que se permite a algumas sequências pungentes. A cronologia dos fatos que se sucedem no roteiro obedece a uma lógica humanista e de complexidade psicológica, sem esquecer, entretanto, uma atmosfera que sintetiza ironia e um imaginário icônico. As situações da trama inicialmente evocam um teor realista, quase documental, ao evidenciar alguns sistemáticos atos do cotidiano do protagonista Lucky (Harry Dean Stanton). Aos poucos, entretanto, tais episódios vão adquirindo uma forte conotação simbólica, assim como as sutis variações dessa rotina do personagem, a ilustrar uma melancólica e lúcida reflexão sobre a decadência física e a finitude, sem cair necessariamente para a afetação. A caracterização de Stanton no papel título também é fundamental para a contundente concepção artística de Carroll Lynch –  Lucky varia com naturalidade e coerência entre a rudeza sincera e uma fragilidade comovente.

quarta-feira, dezembro 27, 2017

Jovem mulher, de Léonor Serraille ***

Em uma das tomadas iniciais de “Jovem mulher” (2017), há um plano-sequência fixo onde a protagonista Paula (Laetitia Dosch) dispara um quase monólogo confuso e raivoso, fazendo lembrar uma cena parecida do antológico “A mãe a e a puta” (1973). O filme de estreia da diretora Léonor Serraille não tem a excelência artística da aludida obra-prima de Jean Eustache, mas a sequência mencionada com a personagem principal consegue traduzir de maneira notável o espírito inquieto do trabalho de Serraille em termos formais e existenciais. A abordagem estética da obra se vincula a uma tradicional escola realista. A forma com que a cineasta conduz a narrativa, entretanto, traz uma fluidez admirável no conjunto encenação e montagem, contando ainda com um roteiro de forte subtexto irônico e contestador e com a atuação repleta de expressivas nuances dramáticas de Dosch. A conturbada trajetória de Paula após ser expulsa de casa pelo companheiro, marcada por explorações econômicas e abandonos morais, corresponde a uma espécie de viagem sensorial da personagem dentro do âmago de uma hipócrita sociedade patriarcal e excludente, ainda que embalada como exemplo de civilidade ocidental. Apesar de marcada por um certo teor panfletário sincero e contundente, é notável a coerência artística com que a trama se desenvolve, principalmente pelo fato de que a redenção de Paula venha através da aproximação com figuras outsiders, além da conclusão do filme apresentar uma carga libertária comovente e desafiadora.

terça-feira, dezembro 26, 2017

Verão 1993, de Carla Simón ***

Em termos formais, “Verão 1993” (2017) não é uma obra que chega a ser especialmente original. Dentro de um conjunto temático-estético influenciado pela escola realista, entretanto, chama atenção pelo rigor e sensibilidade com que coloca os seus preceitos em prática. Ainda que a sua trama seja marcada por tópicos marcados por uma síntese entre o emotivo e o intimismo, a abordagem da diretora Carla Simón é vigorosa e objetiva, não apelando para sentimentalismos baratos. Pelo contrário – a trajetória de amadurecimento da pequena protagonista Frida (Laia Artigas) é esmiuçada com coerência e detalhismo que beiram o dialético ao expor a complexidade emocional que envolve a situação sócio-cultural da garota. Os principais episódios do roteiro envolvem perversidade infantil, a necessidade de serenidade e racionalismo por parte de adultos diante de situações limites, a influência nociva de uma moral irreal e repressora por parte de uma distorcida educação católica – Simón amarra tais elementos temáticos com precisão dentro de uma história de forte teor simbólico a retratar uma sociedade tão conservadora como a espanhola (e, por tabela, em sintonia com outras do mundo ocidental). O filme abarca tais questões dentro de uma narrativa sóbria repleta de detalhes expressivos como uma direção de fotografia que registra os exuberantes cenários naturais dentro de um olhar que preserva tanto o lado assustador das densas matas quanto o aspecto idílico dessa mesma natureza, as densas atmosferas dramáticas pontuadas por silêncios expressivos e discreto uso de temas musicais e as atuações naturalistas de seu elenco (com destaque evidente para as atrizes mirins Artigas e Paula Robles).

sexta-feira, dezembro 22, 2017

O local do crime, de André Téchiné ***1/2

Uma das obras que melhor capta o particular estilo artístico do diretor francês André Téchiné, “O local do crime” (1986) traz aquela síntese narrativa tão cara ao cineasta, em que texturas dos gêneros melodrama e policial se fundem com uma naturalidade desconcertante. O roteiro é preciso na maneira com que arroubos de romantismo e teor realista se relacionam, trazendo um sutil subtexto de crítica sócio-familiar bastante contundente. A encenação proposta por Téchiné se desenvolve com fluência admirável, indo de secas e vigorosas sequências de suspense e ação e passando por atmosferas intimistas repletas de densas nuances psicológicas. Dentro dessa rigorosa concepção estética-temática, mostra-se fundamental o trabalho de direção de atores, com Téchiné extraindo algumas intepretações memoráveis de seu elenco, com grande destaque para Catherine Deneuve, em um dos seus papeis que melhor soube conciliar a sua beleza glacial com uma caracterização sóbria e complexa.

quarta-feira, dezembro 20, 2017

Éden, de Bruno Safadi **

A ficha técnica e a sinopse de “Éden” (2013) indicavam uma produção bastante promissora – uma trama tendo como subtexto a influência das igrejas evangélicas nas humildes periferias urbanas e elenco contando com nomes expressivos do cinema brasileiro contemporâneo como Leandra Leal, João Miguel e Júlio Andrade. O resultado final, entretanto, acaba sendo bem frustrante. Culpa de uma narrativa frouxa que se mostra indecisa entre um sensorialismo rarefeito e a encenação realista exagerada. Há de se considerar uma visão crítica consistente do roteiro na forma com que expõe o caráter oportunista e obscurantista de cultos religiosos perante a sociedade contemporânea, mas isso acaba perdendo parte de sua força diante da árida concepção artística do diretor Bruno Safadi.

terça-feira, dezembro 19, 2017

Star Wars: Os últimos Jedi, de Rian Johnson **

Há de se concordar com pelo menos uma coisa em relação à mais recente trilogia “Star Wars” – há uma certa coerência artística e existencial entre os dois primeiros capítulos. Isso porque “Os últimos Jedi” (2017) desperta a mesma impressão que “O despertar da força” (2015): são filmes que mais parecem uma reciclagem oportunista e sem inspiração das produções clássicas do que obras que acrescentam algo de novo à mitologia original criada por George Lucas ou mesmo emulem uma continuação natural da saga de ficção científica mais famosa da história do cinema moderno. Nesse longa mais recente, até há alguns pontos positivos, como a bela direção de fotografia, algumas sequências de ação que remetem a uma escola clássica de cinema de aventura e mesmo e, por vezes, a caracterização de Mark Hammil como o lendário Luke Skywalker que impressiona por um forte caráter icônico. Tais acertos, entretanto, representam muito pouco para salvar uma narrativa destituída de densidade dramática convincente, uma encenação apática e um roteiro que vai do nada para o lugar nenhum. Além disso, fica reforçada a constatação que os novos personagens da trilogia são destituídos de interesse e carisma, com “destaque” absoluto para o ridículo vilão criança mimada Kylo Ren (Adam Driver), enquanto as figuras clássicas são maltratadas de maneira burra e impiedosa pela forma apelativa com que são utilizadas. Nesse último ponto, a morte de Luke Skywalker é absurdamente anticlimática e sem sentido, parecendo apenas visar uma manipulação sentimental gratuita. No cômputo geral, “Os últimos Jedi” joga fora a boa impressão causada pelo ótimo “Rogue One” (2016) e faz temer até onde essa picaretice mercadológica pode chegar.

segunda-feira, dezembro 18, 2017

31, de Rob Zombie ***

Pelo menos com uma coisa até os detratores de Rob Zombie tem de concordar: há uma forte coerência autoral em sua filmografia. Em grande parte das produções que dirigiu se pode perceber uma recorrência de elementos temáticos e narrativos – grafismo violento explícito, atmosfera sórdida e amoral, psicopatas e assassinos em geral como personagens fundamentais nas tramas, até a sua esposa Sheri Moon parece interpretar variações diferentes de um mesmo papel. Tudo isso se encontra em “31” (2016), com direito inclusive a palhaços matadores ao estilo do memorável Capitão Spalding (Sid Haig) de “A casa dos mil corpos” (2003) e “Os rejeitados pelo diabo” (2005). O filme dá uma constante impressão ao espectador que ele já viu tudo que aparece na tela de forma mais convincente e impactante em outros filmes do próprio Zombie. Ainda assim, tem o seu encanto, principalmente porque o formalismo casca grossa do cineasta e o seu gosto por histórias sombrias e niilistas afastam “31” do lugar comum asséptico que tomou conta do cinema de horror contemporâneo.

sexta-feira, dezembro 15, 2017

John Wick - Um novo dia para matar, de Chad Stahelski ****

Tudo aquilo que escrevi sobre “De volta ao jogo” (2014) nesse blog se aplica novamente para a sua continuação “John Wick – Um novo dia para matar” (2017). Cabe ressaltar, entretanto, que esse novo capítulo da brutal saga de violência e ironia do protagonista vivido por Keanu Reeves também não se limitar ao reciclar de uma fórmula que já havia dado bastante certo no filme anterior. Na verdade, o diretor Chad Stahelski depura ainda mais a narrativa e a estética, configurando encenação e atmosfera em um teor ainda maior de estilização e barroquismo audiovisual. E se alguém ainda acha que a melhor coisa que Reeves participou no gênero ação está na superestimada trilogia “Matriz”, talvez devesse rever seus conceitos ao assistir às precisas e alucinadas coreografias de lutas e tiroteios de “John Wick” ou na percepção da divertida sagacidade de diálogos e no tom misto de cartunesco e consistente densidade psicológica do roteiro.

quinta-feira, dezembro 14, 2017

Assassinato no Expresso do Oriente, de Kenneth Branagh **

Na função de diretor, o britânico Kenneth Branagh tem como obras mais destacadas algumas recriações vigorosas e criativas de trabalhos de Shakespeare como “Henrique V” (1989), “Muito barulho por nada” (1993) e “Hamlet” (1996). Tal fato fez com que produtores o convocassem com certa frequência para a releitura de obras e personagens clássicos de diversos meios de expressão, no desejo de oferecer uma abordagem de maior estofo dramático e narrativo. Nesse sentido, a produção em que melhor atingiu esse objetivo foi a bela adaptação de “Cinderela” (2015). Em outros casos, entretanto, os resultados finais foram decepcionantes, vide “Thor” (2011) e “Operação sombra: Jack Ryan” (2014). Sua obra mais recente nessa vertente, “Assassinato no Expresso do Oriente” (2017), incursão do cineasta pelo universo do mais popular livro da escritora Agatha Christie, fica enquadrada também na categoria frustrante. Pode-se perceber um certo requinte em termos de direção de arte e atmosfera, além de Branagh conseguir extrair algumas atuações carismáticas de seu elenco. Mais tais aspecto positivos são insuficientes para a apagar a má impressão de uma narrativa amorfa, uma composição cênica/visual marcada pela assepsia e um roteiro que resvala no melodramático excessivo, principalmente nos exageros cafonas do terço final do filme. A opulência audiovisual concebida por Branagh é vazia e tediosa e poucas vezes consegue trazer algum efetivo encanto para o espectador.

terça-feira, dezembro 12, 2017

Como ser solteiro, de Rosane Svartman *

É bom deixar clara logo de cara uma constatação: “Como ser solteiro” (1998) é uma legítima tranqueira do cinema nacional. A impressão é de uma equação mal-ajambrada entre aquelas produções cariocas toscas e pueris da primeira metade dos anos 80, tipo “Menino do Rio” e “Bete Balançco”, e referências estéticas e temáticas a clássicas comédias românticas juvenis da mesma época dirigidas por John Hughes (“Gatinhas e gatões”, “A garota de rosa shocking”). Ainda assim, assistir a essa produção de Rosane Svartman acaba despertando por vezes curiosidade e simpatia. Por trás de uma concepção narrativa amorfa e um roteiro repleto de tiradas cômicas e dramáticas rasteiras, como se fosse a junção de “Zorra total” com uma novela global das mais chulés, há algo de uma atmosfera mista de inocente malandragem e sensualidade à flor da pele que remete a um imaginário carioca que se perdeu nos últimos anos – ficar de maneira deliberada nas mãos de evangélicos obscurantistas e picaretas como Garotinho e Crivella não é uma situação pela qual se passa incólume. Assim, mesmo um filme ordinário e ruim como esse “Como ser solteiro” acaba despertando uma certa nostalgia perturbadora.

segunda-feira, dezembro 11, 2017

Waiting for B., de Paulo Cesar Toledo e Abigail Spindel ***

O documentário brasileiro “Waiting for B.” (2015) tem por ponto de partida uma premissa até bem simples: o retrato do cotidiano de alguns jovens que se encontravam acampados a dias em frente ao Estádio Morumbi para o show que a cantora Beyoncé deu no local em 2013. Em termos existenciais, alguns aspectos unem esses garotos – a maioria é de origem humilde em termos econômicos e são homossexuais, com uma trajetória de vida com vários episódios de preconceito e discriminação. O filme, entretanto, passa longe do simples retrato sociológico ou da pura reportagem. Os diretores Paulo Cesar Toledo e Abigail Spindel conseguem elaborar uma narrativa cativante, alternando diversas ambientações e situações de maneira fluente e coesa, indo das conversas bem-humoradas e as sessões de coreografias dos fãs da cantora nas filas, passando pela crueza do registro do dia-a-dia de alguns deles com a família e no trabalho e concluindo com o frenesi e tensão do dia da apresentação de Beyoncé. Diante desse quatro estético-temático, o resultado final é uma obra de forte caráter libertário na forma com que consegue conciliar em sua abordagem tanto a contundência de seu discurso comportamental desafiador quanto uma certa leveza no teor de ironia sagaz que perpassa o filme quando os seus protagonistas estão em cena.

sexta-feira, dezembro 08, 2017

A cidade onde envelheço, de Marília Rocha ***

Em um primeiro momento, a narrativa de “A cidade onde envelheço” (2016) aparenta uma certa aridez que pode parecer um pouco incômoda. Os silêncios são enfatizados com vigor, a atmosfera tem algo de documental a partir do registro seco da lente da diretora Marília Rocha, a trama realça aspectos de um cotidiano simples e por vezes tedioso dos personagens. São em algumas sutilezas estéticas e nas nuances existenciais do roteiro que o filme vai despertando um insólito encanto para o espectador. Arroubos emocionais e viradas espetaculares na história são dispensados em nome de uma fluência narrativa natural e serena, em que motivações e maiores explicações sobre as atitudes das protagonistas Tereza (Elizabete Francisca Santos) e Francisca (Francisca Manuel) dão lugar a um teor instintivo e mesmo misterioso sobre o comportamento errático de tais figuras. A forma com que Rocha faz com que o filme acompanhe a trajetória das personagens evidencia um olhar poético sobre as agruras e a pequenas delícias de suas rotinas, valorizando ainda detalhes cênicos notáveis como a intensa interação dramática entre as atrizes principais e mesmo o sedutor sotaque português das intérpretes.

quinta-feira, dezembro 07, 2017

Pai em dose dupla 2, de Sean Anders ***

O diretor Sean Anders atinge uma proeza considerável em “Pai em dose dupla 2” – fazer com que uma sequência não se caracterize como meramente oportunista e que consegue ainda ser melhor que o primeiro filme. Essa continuação explora basicamente as mesmas questões temáticas e direcionamento narrativo da produção anterior, mas de uma maneira mais alucinada e sentimental (por mais contraditório que isso possa parecer). Anders privilegia com maior intensidade os aspectos grosseiros e exagerados da comédia física, com forte ênfase nesse lado para cenas envolvendo constrangimentos e desastres com o personagem apatetado Brad (Will Ferrell), ao mesmo tempo que o lado de crítica de costumes se harmoniza com bizarra fluência com um insólito e até bem sacado tom de lições edificantes de vida. A direção de Anders dá uma fluência admirável na conciliação desses diferentes polos da narrativa e que se mostra em sintonia com o mote principal do roteiro – o confronto entre a imagem idealizada de durão do típico macho norte-americano com a tendência para a emotividade derramada típica do cidadão de classe média. Complementando essas belas sacadas criativas da direção, há um elenco bastante inspirado, do quarteto principal de atores até o elenco infantil, e a excelente utilização das canções natalinas da trilha sonora (destaque para a memorável sequência dos personagens acampados dentro de um cinema).

quarta-feira, dezembro 06, 2017

Um senhor estagiário, de Nancy Meyer *

Ok, a gente pode ter boa vontade e pensar que um filme como “Um senhor estagiário” (2015) pode oferecer alguma reflexão sobre a questão da velhice na sociedade contemporânea ocidental. E até lembrar que o protagonista Ben Whittaker é interpretado por Robert De Niro, um ator cujo currículo tem tantas obras marcantes que se a gente for citar pelo menos parte delas vai acabar ocupando mais que a metade do parágrafo desse comentário. Assistindo ao filme da diretora Nancy Meyer, entretanto, todas essas nossas considerações vão por água abaixo e só se pode concluir que De Niro aceitou participar de algo tão medíocre, reacionário e brega porque o cachê realmente devia ser muito bom. A abordagem temática superficial e esquemática, o roteiro repleto de clichês vagabundos e um formalismo mofado e tedioso resultam num filme difícil de aguentar até o fim.

terça-feira, dezembro 05, 2017

Gabriel e a montanha, de Fellipe Barbosa ***

Se em “Casa grande” (2015) o diretor Fellipe Barbosa oferecia um retrato pálido e esquemático sobre a decadência moral e econômica da burguesia nacional neste século, em “Gabriel e a montanha” (2017) o seu discurso artístico-existencial se mostra melhor focado e por vezes até beirando o poético. O grande acerto em suas abordagens narrativa e temática está na forma com que o protagonista Gabriel Buchmann (João Pedro Zappa) é colocado em cena – se no início da trama o personagem possui uma certa aura santificada, idealizada, na maneira com que interage com as figuras que encontra em suas andanças pela continente africano, aos poucos essa impressão vai se mostrando enganosa, quando o que fica evidenciada é a ambiguidade das intenções e da personalidade de Gabriel. A entrada em cena de Cris (Caroline Abras), namorada dele, é fundamental nessa dissecação existencial. Em trechos de conversas e mesmo na tensão amorosa entre o casal fica esboçado de maneira sutil as possíveis razões que levaram Gabriel a realizar a sua jornada. Nas frustrações, angústias e desejos do protagonista ficam sintetizadas um conjunto de valores e ambições de uma jovem geração movida a arrivismo e insensibilidade. Quando Cris volta a ficar ausente da narrativa, essa passa a se tornar mais rarefeita, a atmosfera do filme envereda para algo entre o realismo e o etéreo e mesmo o roteiro e estética privilegiam uma forte carga de simbologias textuais e visuais. As escolhas de Gabriel se tornam bizarras, seu comportamento ainda mais errático. Seu trágico fim deixa a fascinante interrogação – um suicídio dissimulado ou apenas o resultado de escolhas cretinas? Fellipe Barbosa embala essa história intrincada com algumas escolhas formais adequadas e, em determinados momentos, até encantadoras, principalmente pela fluência cênica do seu elenco (inclusive os nativos “amadores”), pela forma com que as belas paisagens africanas são aproveitadas na direção de fotografia e nos expressivos temas musicais étnicos da trilha sonora.

segunda-feira, dezembro 04, 2017

Snuff - Vítimas do prazer, de Cláudio Cunha ***1/2

A parceria entre Cláudio Cunha na direção e Carlos Reichenbach no roteiro em “Snuff –Vítimas do prazer” (1977) tem como resultado final justamente aquilo que se poderia esperar de uma união dessas – uma síntese muito bem delineada entre inventividade artística e ambientação sórdida exploitation, combinação habitual naquilo de melhor que o cinema da Boca do Lixo produziu. Roteiro e narrativa obedecem aos preceitos básicos dos gêneros horror e suspense, mas também conseguem criar um subtexto e atmosfera repletos de nuances irônicas e dramáticas, além de uma vigorosa simbologia visual e textual. Dentro de tal concepção artística, há detalhes cênicos antológicos, como a forma insólita em que a música clássica se insere em sequências marcadas pela escatologia, o grafismo violento de algumas cenas, o erotismo misto de galhofeiro e sensual e as composições dramáticas viscerais e cheias de verve de boa parte do elenco.

sexta-feira, dezembro 01, 2017

Elvis & Nixon, de Liza Johnson **1/2

O encontro real entre Elvis Presley e Richard Nixon foi um evento histórico que trouxe uma carga simbólica muito forte: o rei do rock, o ícone máximo de um gênero musical e mesmo comportamental que teve no DNA de sua formação um forte caráter de rebeldia, se declarou disposto a colaborar com um dos líderes políticos mais conservadores do século XX. Ou seja, a riqueza de aspectos contraditórios e complexos de mais de uma geração da sociedade ocidental estava sintetizada na reunião desses dois homens. Diante de tais circunstâncias, a produção norte-americana “Elvis & Nixon” (2016) se mostrava bastante promissora ao propor a recriação dramática desse fato controverso. Ocorre, entretanto, que a abordagem da diretora Liza Johnson passa bem distante tanto de uma maior profundidade temática quanto de uma narrativa mais inquietante. Roteiro e encenação privilegiam um viés cômico e superficial, sem sugerir maiores leituras sociais e culturais sobre o significado de premissa maior da trama. A cineasta enfatiza mais uma caracterização caricatural a sugerir o ridículo de algumas situações e personagens, num direcionamento que por vezes até chega a ser levemente divertidos, mas nada que vá muito além disso, impressão essa acentuada nas atuações cartunescas e carismáticas de Michael Shannon e Kevin Spacey nos papeis principais.