sexta-feira, abril 30, 2010

Chéri, de Stephen Frears ***


Confesso que eu andava meio ressabiado em relação a Stephen Frears. Seus últimos filmes, “Senhora Henderson Apresenta (2005)” “A Rainha” (2006), eram assépticos e burocráticos demais, e não traziam a mesma verve criativa de obras mais relevantes como “Minha Adorável Lavanderia” (1985), “Os Imorais” (1990) ou “A Grande Família” (1993). Sua produção mais recente, “Chéri” (2009), entretanto, mostra que Frears ainda tem lenha para queimar. O diretor envereda por um terreno perigoso, o da adaptação de obra literária (no caso em questão, um texto original de Colette), abusando de uma narração em off e do rigor de uma direção de arte caprichada. Mesmo não atingindo o mesmo brilhantismo narrativo que havia logrado em “Ligações Perigosas” (1988), Frears obtém um resultado satisfatório em “Chéri”, em que a combinação de montagem dinâmica e bela fotografia, aliados a um roteiro cheio de humor amargo, não deixam o filme cair no academicismo óbvio.

quinta-feira, abril 29, 2010

Limite, de Mário Peixoto ***1/2


Mesmo para os padrões atuais, “Limite” (1931) continua sendo uma ousada experiência cinematográfica. O diretor Mário Peixoto rompeu com a narrativa linear e literária, realizando um filme que só poderia existir e fazer sentido como cinema. As imagens se sucedem em tom de delírios, lembranças e registros oníricos, mas não se combinam gratuitamente. As enigmáticas tomadas nos rios e as engenhosas fusões de imagens produzem seqüências que se fixam no nosso imaginário, mesmo quando não conseguimos captar na plenitude a compreensão das mesmas. Tal dificuldade de se perceber o sentido das cenas pode ser encarada como mérito do filme, ao estabelecer uma aura de mistério instigante que configura “Limite” para a mente do espectador como uma recordação difusa, algo como um sonho (ou até mesmo um pesadelo...).

quarta-feira, abril 28, 2010

Vírus, de Àlex e David Pastor ***


“Extermínio” (2002) pode não ter sido a primeira obra dentro desse gênero que combina terror biológico e ficção científica, mas foi a obra que estabeleceu os parâmetros para esse tipo de produção. “Vírus” (2009) não inova muito na linha em questão. Combina, entretanto, com convicção e habilidade todos os clichês necessários para um exemplar convincente. Os irmãos diretores Àlex e David Pastor construíram uma atmosfera desoladora e pessimista para retratar uma sociedade combalida por uma doença altamente contagiosa, mesmo focando poucos personagens. A questão do conflito entre moralidade e instinto de sobrevivência é bem trabalhada e funciona como eficiente mote para a constante tensão do filme. A utilização dos efeitos especiais é econômica, mas quando os mesmos entram em cena tem sempre um forte impacto. Mesmo realizado dentro de um padrão de produção norte-americano, “Vírus” é um “horror movie” apocalíptico que não apresenta muitas concessões, o que é bem louvável nesse panorama atual de assépticos filmes de terror que procuram não ofender estômagos sensíveis.

terça-feira, abril 27, 2010

Um Sonho Possível, de John Lee Hancock *


Não se iludam com os prêmios para Sandra Bullock e todas as indicações que “Um Sonho Possível” (2009) recebeu: a atuação dela é tão rasamente consistente quanto outras das comédias românticas insossas que ela costuma trabalhar, bem como a produção dirigida por John Lee Hancock é um sério concorrente a filme mais medíocre a ser exibido nas nossas telas esse ano. A narrativa esquemática tira qualquer impacto que poderia ter a história real na qual o roteiro é baseado. Hancock transforma tudo em um ameno draminha cor de rosa unidimensional recheado de fáceis lições de vida. O protagonista Big Mike é tratado como um gigante taciturno, mas de bom coração, e a família que o acolhe tem uma caracterização que beira o patético de tão simplista: o pai paciente, a filha mais velha bonitinha e meiga, o caçula adoravelmente esperto e, por fim, a mãe perua durona e decidida, mas no fundo sentimental (talvez, o máximo de complexidade que Hancock e Bullock possam compor). Nem as novelas mais xumbregas que costumam ser exibidas na televisão ousam ser tão previsíveis e conservadoras quanto “Um Sonho Possível”, o que mostra que Oscar, Globo de Ouro e outras coisas do tipo não são, atualmente, o parâmetro mais confiável para se escolher um filme para ver no cinema.

segunda-feira, abril 26, 2010

O Livro de Eli, de Allen e Albert Hughes ***


“O Livro de Eli” (2010) lembra vários daqueles filmes oitentistas de ação passados em um futuro pó-apocalíptico que vieram na esteira do sucesso da trilogia “Mad Max” (principalmente influenciados pelos dois primeiros filmes da série de George Miller). A história pouco difere daquelas produções: herói solitário, deserto de visual desolador como constante pano de fundo, bandidos nojentos, algum bem precioso pelo qual o protagonista e seus rivais lutam (água, gasolina e, no caso em questão, uma Bíblia). O filme dos irmãos Hugues apresenta uma certa aura de seriedade para disfarçar as referências de filme B, mas, no geral, “O Livro de Eli” é apenas boa diversão escapista. Denzel Washington compõe com carisma o típico “estranho sem nome”. A ação e a violência não têm aquele pique alucinado do melhor de “Mad Max” – são econômicas e bastante estilizadas, mas não caem naquele clima “comercial de sabonete” típico de Zack Snyder.

sexta-feira, abril 23, 2010

Nosferatu, de F.W. Murnau ****


Diante de um filme como “Nosferatu” (1922), todas as discussões parecem pueris sobre efeitos especiais que se tornam obsoletos com o passar do tempo. Em comparação aos modernos truques digitais das produções cinematográficas atuais, as trucagens desse clássico do expressionismo podem ser aparentemente primárias, mas na verdade tem um impacto sensorial muito mais permanente para o espectador. Aliado aos preceitos básicos do expressionismo alemão, tais efeitos configuram uma atmosfera fascinante e realmente assustadora para “Nosferatu”, em que se tem a impressão de que o universo do vampiro Orlok representa um pesadelo que invade sem cerimônia a realidade. F.W. Murnau realizou um filme de horror cujo poder de causar medo e suspense para as platéias se manteve intacto, além de elaborar um dos padrões estéticos mais influentes da história do cinema.

quinta-feira, abril 22, 2010

Corumbiara, de Vincent Carelli **1/2


A intenção principal de Vincent Carelli ao realizar “Corumbiara” (2009) não foi de ganhar prêmios em festivais ou ser um sucesso de bilheteria. Seu trabalho privilegiou o lado social e antropológico de registrar provas do massacre da tribo indígena por latifundiários, assim como buscar pelos últimos sobreviventes. Nesse sentido, Carelli foi bem sucedido ao converter em imagens um dos lados mais obscuros e perversos da realidade brasileira. O cineasta conseguiu também obter cenas memoráveis, ainda que às vezes um pouco enfadonhas, de rituais e outras práticas culturais que até então pouco ou nada havia merecido alguma espécie de documentação. Por seus méritos formais, entretanto, “Corumbiara” frustra por apresentar uma linguagem convencional em demasia. O ambiente focalizado, as selvas do norte brasileiro, poderiam ter sido melhores aproveitadas. Não há tanto daquela sensação de opressão e sufoco das matas selvagens, coisa que filmes como “Apocalipse Now” (1979) ou “Fitzcarraldo” (1982) conseguiram explorar com mais habilidade. De qualquer forma, essa limitação na forma de filmar, provavelmente, pode ter sido originado das próprias condições precárias da produção.

terça-feira, abril 20, 2010

Drácula: O Príncipe das Trevas, de Terence Fisher **1/2


Os filmes de Drácula produzidos pela Hammer eram exibidos com regularidade na TV aberta nas décadas de 70 e 80. Assim, na minha infância e adolescência assisti à grande maioria dessas produções. Na minha visão infanto-juvenil, eu realmente ficava impressionado com tais filmes, considerandos os mesmos bastantes tensos e assustadores. Em uma revisão recente de um desses exemplares dessa cinematografia, “Drácula: O Príncipe das Trevas” (1966), constatei, entretanto, que o impacto já não era o mesmo. É claro que se percebe ainda uma certa elegância na encenação e uma sólida caracterização estética, além de Christopher Lee interpretar Drácula de forma carismática. O problema da obra é que ela não consegue mais instigar medo e suspense como fazia anos atrás, ao contrário de clássicos como “Nosferatus” (1922) e “Drácula” (1931). Dessa forma, “Drácula: O Príncipe das Trevas” se justifica muito mais como uma curiosidade histórica do que propriamente um filme relevante.

segunda-feira, abril 19, 2010

A Condessa, de Julie Delpy **1/2


A história real da Condessa Erzébet Bathory é razoavelmente conhecida: no século XVI, matou várias virgens para usar o sangue das mesmas em banhos de beleza que visavam preservar a sua juventude. Essa mórbida trajetória já havia merecido algumas versões cinematográficas que pendiam mais para o fantástico. Nessa adaptação recente (2009) dirigida por Julie Delpy (que também interpreta a Condessa), a abordagem é naturalista e sóbria, apresentando uma bem cuidada reconstituição de época. A primeira metade do filme tem uma narrativa engessada, dentro de um formato de drama de época convencional e excessivamente sentimental. Na metade final, contudo, quando Bathory começa a perseguir e assassinar as tais virgens, a produção ganha um ritmo mais atraente, com cenas tão sangrentas que beiram o terror gore.

sexta-feira, abril 16, 2010

Educação, de Lone Scherfig **1/2


Por mais que se diga que o que importa no cinema não é o que se conta, mas sim a forma como se conta, há filmes cujo foco principal está na história e onde ousadias formais estão descartadas. “Educação” (2009) é um desses casos. A trama, assinada pelo célebre escritor Nick Hornby, narra o processo de amadurecimento precoce de uma menina de 16 anos após ser enganada por um trintão bom de papo, servindo também como interessante crônica de costumes da Inglaterra do início dos anos 60. Edição e fotografia são eficientes, e, aliadas à trama, conseguem captar razoavelmente a atenção do espectador. E se o que nos resta é prestar atenção no roteiro, não há como não ficar frustrado com o teor moralista e convencional do mesmo. Por mais que a protagonista tenha desafiado a autoridade de seus pais e professoras e contestado a moral burguesa da sociedade britânica da época, a conclusão do enredo parece fazer uma questionável apologia do conformismo. A sensação fica ainda mais incômoda quando lembramos que o texto do filme é produto da escrita de Hornby, um dos mais ardorosos defensores da mitologia rocker.

quinta-feira, abril 15, 2010

O Amor Segundo B. Schianberg, de Beto Brant 1/2 (meia estrela)


Não dá para dizer que Beto Brant é um cara que não sabe dirigir um filme. Em “Ação Entre Amigos” (1998) e “O Invasor” (2002), ele demonstrou desenvoltura considerável no domínio da ação cinematográfica, enquanto “Crime Delicado” (2005) e “Cão Sem Dono” (2007) revelavam também o seu talento para encenar dramas mais intimistas. Diante dessa prévia trajetória, não há como não se decepcionar com uma obra tão brochante quando esse “O Amor Segundo B. Schianberg” (2009). A produção mais recente de Brant transparece uma falta do que dizer e, principalmente, um desinteresse pelo ato de fazer um filme. Ao retratar o processo de criação de uma videomaker, talvez a intenção do cineasta tenha sido de fazer algo que remetesse ao formato da arte de sua protagonista. O resultado final, entretanto, é falho e desinteressante. Como narrativa, “O Amor Segundo B. Schianberg” resume-se a uma sucessão de cenas banais e discussões afetadas embalada por uma fotografia qualquer nota.